Um Projecto Nacional e Popular?

02-12-2011 12:41

Por: Daniel dos Santos

O apoio e as alianças internacionais muito dizem sobre a natureza da partida que se joga em Angola, durante a luta de libertação, depois da independência e até nossos dias (Santos, 1983). Os processos de intermediação da sociedade angolana começam bem antes de 1975. Mas a independência de Angola, apesar do “cabo-de-guerra” entre os movimentos de libertação nacional e seus aliados no nível do sistema mundial, foi um momento propício à operacionalização de um projecto nacional e popular. Esta possibilidade não podia ser admitida pelos países do centro, em particular pelos Estados Unidos e, em nível regional, pela África do Sul. A defesa dos interesses “nacionais” à época coloca como condição mínima uma nova partilha das riquezas no nível da formação social angolana e no nível do sistema mundial. Como condição máxima, esta possibilidade significaria o caminho da ruptura em suas consequências últimas. É evidente que após 1975, dada a agressão militar da qual foi vítima, Angola não possuía as condições, tanto no nível do desenvolvimento de suas forças produtivas, quanto no que se refere às condições políticas, para realizar tal escolha. No que concerne à África do Sul, uma Angola independente e capaz de promover tal projecto representaria uma ameaça política para os fundamentos do seu estado racista. Actualmente, apesar dos acontecimentos, a ambição do capitalismo sul-africano permanece intacta: dividir o continente africano em quatro grandes regiões políticas e económicas controladas por África do Sul, Egipto, Nigéria e Quénia, objectivando “garantir” um lugar para o Continente africano no momento da reestruturação do sistema mundial em blocos comuns. O regime sul-africano aspira o reconhecimento de sua força económica e de sua liderança na integração do Continente ao sistema mundial. É verdade que este é o sonho da burguesia branca sul-africana, e que o regime do ANC tem um outro discurso. Aparentemente, este reconhece, acima de tudo, a necessidade da formação de um bloco económico regional tendo como base a “redução” da dominação sul-africana, no qual a base industrial serviria, em primeiro lugar, para encorajar o crescimento das economias da região.

Entretanto, os problemas que a África do Sul pós-apartheid tem de enfrentar são de tal ordem que este país será tentado a drenar certas riquezas da região para suprir suas dificuldades. Neste caso, Angola deve se enfraquecer para se tornar um fornecedor de petróleo e de mão-de-obra e um mercado para consumo dos produtos sul-africanos. Os países do centro do sistema mundial não se ocupam da possibilidade de um desenvolvimento capitalista forte em Angola, visto que a África do Sul não necessita de concorrentes que a incomodem e que Angola deve permanecer uma reserva essencial, principalmente de matérias-primas. A democratização de Angola se apresenta como um fenómeno de “dupla face”. Na aparência, é uma imposição dos centros do sistema mundial, em particular dos Estado Unidos, que buscam se apropriar para melhor controlar os contornos e as formas e assegurar as prerrogativas de “ajuste estrutural” em Angola. Não obstante, a periferia angolana deve adoptar esta democratização para redefinir suas estratégias nacionais e para reconstruir novas formas de resistência popular. Angola jamais deixou de ser uma periferia africana do sistema mundial. Sua especificidade não resulta do regime político criado após a independência, mas de uma longa luta de libertação nacional. Apesar de suas contradições, esta luta era portadora de uma esperança e de um projecto nacional cuja condição mínima de triunfo repousava na concretização de uma mobilização popular democrática para a construção da nação, nas possibilidades de “ruptura” e na sua condição no interior do sistema mundial.

A democracia é ao mesmo tempo um meio e um fim. Esta condição mínima repousa sobre a existência de forças políticas locais organizadas em torno das aspirações populares e capazes de estabelecer uma relação dinâmica com as sociedades civis. Isto constituiria a base sobre a qual a sociedade angolana poderia criar as condições de realização das legítimas aspirações de seu povo que, assim, poderia criar uma produção local para satisfazer um consumo local, ou seja, um mercado interno, autónomo e endógeno, e os mecanismos nacionais (estatais, privados e colectivos) de distribuição para assegurar a justiça social e económica.

 

Fonte: www.adelinotorres.com